domingo, 11 de novembro de 2018

Homenagem ao Senhor Prata

10 de Novembro de 2018 – Cemitério de Monte D’Arcos e Igreja do Carmo
Homenagem da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» ao seu associado e ex-presidente Manuel Tavares Lopes Prata, falecido a 10 de Outubro de 2018, com deposição no seu jazigo de uma escultura musical.


Nascido às portas da Sé, como ele gostava de referir, este nosso amigo e associado representou para nós – embora eu fale a partir da minha vivência com ele, creio que poderei usar este sujeito colectivo, pedindo desculpa por algum exagero ou desvio de concordância com quaisquer pessoas – este nosso amigo e associado dizia, representou para nós o bracarense genuinamente assumido em todas as dimensões: uma, a de tomar Braga como origem e fio condutor de seu país, outra, a de tomar a linguagem minhota e o folclore como marca de afirmação, outra ainda, a de considerar a convivência fora de portas o melhor caminho para conhecimento de intimidades, ainda, a de dar a mais séria relevância ao parecer, gerador de invejidade, finalmente, a de considerar todas as razões para se ser orgulhoso do que se tem.

Se alguém discordar de mim por dizer que o Prata dava importância a tudo e ao seu contrário, ia com todas as vozes e vinha com a dele, discutia a tostões a grandeza dos seus, afirmava com intensidade de reclamação tudo quanto achava injusto e perdedor por imposição de cima, terá as suas razões, mas as minhas memórias falam-me assim.

Não vou santificá-lo, mas vou insistir que este nosso amigo e associado foi bom, bonito e digno de reparo positivo em algumas dimensões do humano demasiado humano:

  • - falo do professor, que começou estudante da escola industrial, portanto do desenhador de máquinas, e depois caldeou seu ofício na Sarotos e na Sociedade Agrícola, e acabou professor de EVT e sindicalista, completando a sua formação superior;
  • - falo do soldado que foi à guerra na Guiné onde sofreu a morte de seu irmão também militar e onde caldeou arreigadamente na sua personalidade a dimensão do ser português num contexto de império colonial, dimensão que estruturava as suas memórias entre o divertido, o sério e o furiosamente injustiçado;
  • - falo da dimensão do animador cultural em festas e convívios, no guardador de cantigas que nos socializaram desde os anos cinquenta do século passado, no associado e folclorista (começou no Gonçalo Sampaio) que tinha uma vastíssima rede de conhecimentos e de contactos e que sempre se mobilizava para recolher cantigas e testemunhos de vida – recordo as nossas viagens por Monsul e pelos lares aqui em Braga, com a finalidade de nos documentarmos e de deixar o público satisfeito;

  • - falo do homem convivial da cidade, o desportista do Braga, o praticante de ténis de mesa, o jogador de mesa, o festeiro, com simpatia de trato e sempre com receptividade efusiva.

Pelo seu casamento com a Cândida, o nosso amigo e associado integrou-se numa família muito intensamente relacionada com a cidade e os seus valores, quer em termos de comércio, quer em termos de contactos e conhecimentos; o nosso grupo usufruiu de alguma documentação relevante sob o ponto de vista etnográfico e folclórico e por certo ainda mais haverá a transmitir.

Pessoas assim como o Né Prata deixam saudade e deixam também aquele sentimento de culpa de não termos feito tudo para mais os valorizarmos e melhor serem reconhecidos na sua acção. Disso me penitencio, e aqui peço desculpa se fui, no que teve de ser, um pouco intrometido, mas reconheço que tal omissão de valorização se fica a dever a esta área de estudo em que, por hábito, estamos habituados a pensar que o trabalho para e pelo colectivo se deve manter anónimo.
Falo por último dessa dimensão que o nosso amigo e associado tinha de nos fazer cúmplices de todos os seus problemas e enredos, desde os familiares aos sociais, num exercício antropológico de voz de recoveira, ofício de sua mãe e orgulhosa e transcendentemente transposto para a sua vida, a par da vaidade mitigada que sentia pela destreza de seu pai como guitarrista de fado e de boémias.



Manual Prata deixou-nos cedo, fez-nos partilhar de seu desenlace e mostrou-nos a coragem alegre com que enfrentou esta parte mais sofrida de sua vida, ele que já nos tinha sido pré-sinalizado por seu médico cardiologista, mas que tinha uma vontade indómita de resistir. E a quem, o nosso estilo de ser e de estar, de cantar e de dançar e de trajar, contribuíram para lhe sustentar a coragem e o gosto de viver.

O que ficou por dizer entre nós que nos sirva de alento para continuarmos e nos dê a garantia de nos superarmos.

À esposa, aos filhos, às noras e aos netos, aos seus familiares, exprimo mais uma vez os nossos sentimentos de luto e pesar e as nossas intenções de solidariedade no tempo futuro de celebração de sua vida. Que repouse em Paz!

José Machado, Braga 10 de Novembro de 2018