quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Contributos para as antífonas do Ó

(Imagem: NOSSA SENHORA DO Ó ou da EXPECTAÇÂO)

Existem no Cancioneiro tradicional português cantigas que emanam das antífonas do advento chamadas as antífonas do Ó. As antífonas são criações poéticas, cantáveis ou não, que desenvolvem uma temática de fé específca, neste caso a temática da espera ou expectação sobre a vinda do Salvador. A cantiga 

Ó meu Menino tão lindo / Ó meu Menino tão belo / Vinde, vinde já ao mundo / que por vossa vinda espero //

Do mesmo modo o cântico Ó Infante suavíssimo que se canta durante a novena do Menino em Cervães, por exemplo, se pode inserir nesta temática das antífonas do Ó.

Para esclarecer mais esta questão, partilhamos de Carlos Aguiar a última carta da Militia Sanctae Mariae (Carta nº 16 de 15/12/2022):

«Nossa Senhora da Expectação, ou do Ó, uma invocação da  THEOTOKOS, a Santa Mãe de Deus que aguarda o nascimento do Seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, é uma devoção antiquíssima. Talvez anterior ao século X. Em Toledo, naquele século, já se celebrava a festa da Expectação do Parto. Depois difundiu-se por toda a Cristandade. Entretanto foi caindo em esquecimento mas manteve-se em Toledo e em Braga onde fazia parte do calendário litúrgico do Rito Bracarense. Nesta Arquidiocese portuguesa manteve-se até à última revisão  do seu Próprio de onde foi eliminada. Recentemente, e a propósito da Benção de Grávidas promovida pela ASSOCIAÇÃO FAMÍLIAS no dia 28 de Abril, festa de Sta Joana Beretta Molla, o Prelado da época, Dom Jorge Ortiga, falando com este vosso amigo sugeriu que a mesma bênção também se fizesse na Sé Catedral , ideia que aplaudi imediatamente tendo sugerido o dia 18 de Dezembro, dia de Nossa Senhora do Ó . O Senhor Arcebispo concordou plenamente mas levantou a hipótese de se celebrar no Domingo mais próximo do dia 18. E ficou o 3º Domingo do Advento para, assim, se poder contar com mais mães grávidas e suas famílias. Assim ficou e permanece, tendo o Cabido mandado fazer uma cópia de uma imagem do século XVIII, guardada no Tesouro da Sé, de grande beleza e que durante dois ou três anos esteve ao culto para a bênção das grávidas. Agora, a réplica, durante o ano, está no Claustro da Sé onde é muito venerada. Assim, foi retomada a celebração, modificada, a Nossa Senhora do Ó.

   Em Portugal muitas capelas e altares foram dedicadas a Nossa Senhora do Ó. Ó passou a nome próprio ( p.ex. Maria do Ó) e , também a apelido de família.

   Esta invocação de Nossa Senhora, com as Antífonas cantadas em Vésperas, antes e depois do Magnificat, até ao Natal, de 17 a 23 de Dezembro, as chamadas Antífonas em Ó, porque todas começam pelo vocativo Ó e devem ter tido início no século VII/VIII. Ei-las:

Sapientia
quæ ex ore Altissimi prodisti,
attingens a fine usque ad finem,
fortiter suaviter disponens omnia:
Veni ad docendum nos viam prudentiæ

17 de dezembro
Ó Sabedoria
que saístes da boca do altíssimo
atingindo de uma a outra extremidade
e tudo dispondo com força e suavidade:
Vinde ensinar-nos o caminho da prudência

 

Die 18 Decembris
Adonai
et Dux domus Israel,
qui Moysi in igne flammæ rubi apparuisti
et ei in Sina legem dedisti:
Veni ad redimendum nos in brachio extento

18 de dezembro
Ó Adonai
guia da casa de Israel,
que aparecestes a Moisés na chama do fogo
no meio da sarça ardente e lhe deste a lei no Sinai
Vinde resgatar-nos pelo poder do Vosso braço.

 

Die 19 Decembris
Radix Jesse
qui stas in signum populorum,
super quem continebunt reges os suum,
quem gentes deprecabuntur:
Veni ad liberandum nos; jam noli tardare

19 de dezembro
Ó Raiz de Jessé
erguida como estandarte dos povos,
em cuja presença os reis se calarão
e a quem as nações invocarão,
Vinde libertar-nos; não tardeis jamais.

 

Die 20 Decembris
Clavis David
et sceptrum domus Israel:
qui aperis, et nemo claudit;
claudis et nemo aperit:
Veni, et educ vinctum de domo carceris,
sedentem in tenebris et umbra mortis

20 de dezembro
Ó Chave de Davi
o cetro da casa de Israel
que abris e ninguém fecha;
fechais e ninguém abre:
Vinde e libertai da prisão o cativo
assentado nas trevas e à sombra da morte.

 

Die 21 Decembris
Oriens
splendor lucis æternæ, et sol justitiæ
Veni et illumina sedentes in tenebris
et umbra mortis.

     21 de dezembro
     Ó Oriente
     esplendor da luz eterna e sol da justiça
     Vinde e iluminai os que estão sentados
     nas trevas e à sombra da morte.

 

Die 22 Decembris
Rex gentium
et desideratus earum
lapisque angularis,
qui facis utraque unum:
Veni et salva hominem quem de limo formasti

22 de dezembro
Ó Rei das nações
e objeto de seus desejos,
pedra angular
que reunis em vós judeus e gentios:
Vinde e salvai o homem que do limo formastes

Die 23 Decembris

Emmanuel,
Rex et legifer noster,
exspectatio gentium,
et Salvator earum:
Veni ad salvandum nos, 
Domine Deus noster. 

23 de dezembro
Ó Emanuel,
nosso rei e legislador,
esperança e salvador das nações,
Vinde salvar-nos,
Senhor nosso Deus.

(..) Com os nossos agradecimentos a Carlos Alberto Aguiar Gomes (https://miliciadesantamaria.org.br/)




 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Contributos para o «desfile etnográfico» das festas de S. João

 
Na Revista de Guimarães, Vol. II de 1885, pode ler-se na página 223 este apontamento, escrito por Alberto Sampaio a propósito de «Estudos d’Economia Rural do Minho:

«Quando se vêem caminhar para uma feira ou romaria os ranchos de mulheres minhotas, com fatos domingueiros, pujantes de vida, com grandes brincos e o peito coberto de cordões e adereços, todas faiscantes de oiro, vem-nos naturalmente à lembrança as flamengas endomingadas, como as descreve Sr. E. de Laveleye. (…) De todas as províncias portuguesas é talvez a única (o Minho) que se veste de cores garridas e variegadas, especialmente as mulheres: apenas na Maia predomina a cor preta nas saias: em todos os outros cantões as cores preferidas são o branco, o vermelho, o amarelo e o verde, misturadas nas diferentes peças do vestuário. As músicas verdadeiramente locais, como a chula e a cana-verde, são alegres, como uma nota viva e cheias de esperanças, que faz esquecer por um instante a imaginação das suas preocupações utilitárias».

















No nº 4 do seu ano I, saído na véspera do dia de S. João, portanto a 23 de Junho de 1892, mo jornal A Folha do Minho pode ler-se o artigo «Rabulices e Rabulóides. O S. João! O S. João!: «Eis a grande attraction que arrasta d’entre as aldeias tifadas de verdura os camponezes alegres, d’uma vivacidade emotiva, penetrante! Chegam em bandos, poeirentos, zurrando nos harmoniuns e violas desafinadas, guinchando uns descantes apropriados ao seu viver rude mas feliz. E as Marias, braços na cintura, modos agaiatados, fazendo ressaltar as formas opulentas, que lenços ramalhetados ocultam, dançam, doidejantes, uma dança typica, que, certamente, o Rei David lhes transmitiu!
Mas d’isto tudo o melhor,
De mais vivas sensações
É depois, no arraial,
O que chupam os lambões!
São felizes os Maneis,
São felizes as Marias,
Uma grande bambochata…
Tudo pandega… alegrias!
As iluminações mosqueam de luz o local pitoresco da Ponte; e o foguetorio, deixando rastos luminosos na escuridão do espaço, atroa o ar com o seu estampido dynamitico ou lança lá da altura umas lagrimas coloridas, afogueadas como a essas horas as faces rechonchudas das Marias!


















Folgae, folgae, raparigas!
Tendes o sangue a saltar!
A vida é breve… folgae…
Amae… deixae-vos amar!
Ah! Que esses vossos Maneis,
De faxa e de varapau,
São uns grandes felizões,
Que nos vão dando quinau!
E ficamos a apitar!...
Bem invejosos até…
É que as Marias nos dizem:
- «Não dou fôrma do seu pé».


No I Volume do Cancioneiro de Músicas Populares, compilado por César das Neves e Gualdino de Campos, publicado em 1895, vem uma quadra e um estribilho coral que faz sentido no lugar em que vamos começar o desfile deste ano de 2022, as Carvalheiras. Não quer isto dizer que a quadra se refira a este local, a referência é o caminho feito por entre carvalheiras.
Abaixae-vos, carvalheiras,
Com a rama para o chão,
Deixae passar as romeiras
Que vão para o S. João.
Orvalheiras, orvalheiras, orvalheiras,
E viva o rancho das moças solteiras.
Orvalhadas, orvalhadas, orvalhadas,
E viva o rancho das mulheres casadas.
Repenica, repenica, repenica,
Ai, São João meu amor cá fica.

São João, Braga 2022

A soleníssima procissão de São João com o cântico gravado na Sé e algumas fotos do Município


 

Santo António, Braga 2022

Em Braga na Praça Velha nas festas de Santo António organizadas pelos Bravos da Boa Luz

"Se o cantar dera dinheiro meio mundo era rico...




terça-feira, 19 de abril de 2022

Edição 2022 da Procissão da Burrinha (2 apontamentos)

#1
A Associação Cultural e Festiva “Os Sinos da Sé” apresentou um tema novo na Procissão da Burrinha: trata-se de um cântico inspirado numa melodia de encomendação das almas, mas com uma poética diferente, que se transcreve.



Irmãos meus que estais ouvindo
Estes passos na cidade 
Sabei que estais assistindo 
Aos valores da cristandade 
Tradições que vão cumprindo 
Nossa fé e caridade 




Irmãos meus que estais passando 
Pelas ruas da cidade 
Cantai connosco rezando 
Pela paz da humanidade 
Esta Cruz nos vai guiando 
Nos caminhos da verdade 





Irmãos meus que estais temendo 
O futuro da cidade 
Persisti na fé vivendo 
Em diálogo e unidade 
De Maria recebendo 
Luminosa dignidade 

(Letra de JM sobre melodia quaresmal da invocação das almas cantada por sua tia Mercedes, natural de Montenegrelo, residente em Raiz do Monte, Vila Pouca de Aguiar, actualmente com 95 anos. Melodia em tom menor, com um estribilho instrumental; coralidade trabalhada por António Costa Gomes que lhe confere uma maior expressividade.)


#2

No dia 13 de Abril - cortejo bíblico “Vós Sereis o Meu povo” ou Procissão da Burrinha - esta associação esteve junto do Lar D. Pedro V a interpretar cânticos e cantigas relacionadas com a catequese processional deste evento, sendo duas delas a propósito do tema central da procissão, a fuga de Nossa Senhora com o seu filho para o Egipto, para escapar à matança dos inocentes determinada por Herodes.


Depois juntamos à banda sonora da procissão alguns cânticos da tradição quaresmal: irmãos meus, perdão ó meu Deus, Senhora das Dores, acorda acorda pecador. 
Cantamos um tema em galego criado por Xosé Luis Reza e Carmen Pérez dedicado a Nª Sª Mãe; cantamos duas criações nossas com tema bíblico: Louvai o Senhor e Cantemos ao Senhor. 


Trouxemos à memória colectiva um tema do romanceiro tradicional, o lavrador d’ arada. 



Consideramos que a ideia de distribuir música ao longo da procissão está na linha da ilustração das procissões com um cantado de referências catequéticas muito significativas.










Em 2022 na procissão da burrinha

Na Procissão da Burrinha, qual o papel do Outro?

Procissão da Burrinha 2022

Na Procissão da Burrinha, a figura central desta procissão é a Senhora com seu filho ao colo, montada numa burrinha representando a fuga para o Egipto.
Mas nesta música é a Senhora que regressa do Egipto e encontra um maçanal...e um milagre acontece.