quinta-feira, 23 de março de 2023

Exposição AP – Adereços e acessórios


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#08

Adereços e acessórios: o chapéu, o ouro, o xaile de agasalho, a coroa de rei o lenço de namorados, a algibeira, a saca e as chinelas.

Associados aos trajes tipificados estão vários adereços, nesta exposição colocados propositadamente em destaque: os xailes, os lenços de namorados, as sacas de transporte de bens pessoais, as algibeiras.

Ao usar um traje típico, torna-se padrão usar na cintura a algibeira, podendo esta variar em tamanho, corte, feitio e decoração, exibindo ou não um pequeno lenço branco com ponta apara o exterior; a decoração é feita com missangas, vidrilhos, fitilhos e bordado a lã.


O uso na cintura de um lenço de namorados ou de pedidos, a testemunhar a arte de bordadeira e a vontade de sedução torna-se quase obrigatório na dinâmica de um grupo folclórico. Este lenço pode ser visto também no pescoço dos homens, a revelar o compromisso amoroso com a possuidora do mesmo. Nesta exposição apresentam-se, em caixilhos de protecção e exibição, quatro exemplares, três deles bordados em pontos livres e outro em ponto de cruz, a vermelho. A poética dos lenços demonstra o interesse da comunicação amorosa e dos valores da propriedade e da família, em símbolos e marcas. O lenço a vermelho foi bordado por Sílvia Malheiro, uma bordadeira de escopo singular e requinte de pormenores de execução, pertenceu ao elemento desta Associação Cecília de Melo, já falecida.

Esta exposição apresenta um lenço de namorados, feito na forma de tapeçaria de parede, projectando-o como forma de arte decorativa. Esse trabalho foi concebido por José Machado e produzido pelos elementos do grupo.

Todo o traje se faz acompanhar, em princípio, por uma peça de agasalho, no caso o xaile de lã, suspenso no braço. Havendo capa comprida, vai pelas costas, cobrindo todo o traje.

O recurso a peças de ouro para enfeite de pescoço, peito e mãos é feito a gosto de cada possuidora delas ou credora da confiança de outros. Ourar é, no folclore, um tratado de paixão e de orgulho pessoais. A economia do ourar é uma filosofia de vida. É natural e decorre do sentido da poupança e do fazer de património pessoal e familiar, a mulher possuir uns brincos ou umas argolas, ter um cordão de ouro, uma peça, um trancelim, uma cremalheira, uns alfinetes, umas libras ou meias libras, uma borboleta, uns corações, umas cruzes, um relicário, anéis e pulseiras…

Mas, nesta exposição, as peças que «imitam» a função de ourar são recursos da A. P. GALERIA e destinam-se à venda em loja, podendo ser adquiridas.

Apresenta-se uma peça produzida em tear, a coroa de rei, uma peça icónica no folclore minhoto. Traduz a longa duração do imaginário real e da sua presença no património material de muitas casas e de muitos monumentos, toalhas de mesa, colchas, bandeiras, pedras, quadros, etc. Frequentemente se recorre a esta forma para a bordar em ponto de cruz no centro de um lenço de namorados, ou para a bordar em ponto pé de flor nas costas de colete de homem, ou para a bordar em vidrilhos no centro de um avental feminino.

As chinelas podem ser pespontadas a branco e assumir configurações conformes ao gosto de quem as manda fazer e de quem as faz. Outras formas de calçado, nomeadamente ligadas a formas de trajar mais funcional ou de cotio, ocorrem tanto em homens como em mulheres: botas, socas e socos, chancas, sapatos, chinelos.


A indústria chapeleira em Braga teve nomeada e méritos incontestáveis, perdurando no imaginário e em certas casas comerciais. A decoração desta exposição com recurso a uma fantasia criativa em volta dos chapéus, pretende homenagear as memórias da indústria e os ditos populares ligados ao chapéu:

A boa cabeça, nunca faltou chapéu.

Chapéus há muitos…

Empresta-me o teu chapéu, Antoninho, meu amor.


Exposição AP – O traje de Vale d’Este

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#07



Esta tipificação de trajar, projecta o imaginário de usos e costumes para situações de mistura, reflectindo mudanças e acomodações de gosto e de mercado, evocando debates sobre a influência dos ambientes urbanos nas vivências da ruralidade. 

O uso ou recurso a chapéus de feltro, fazendo jus à cidade de Braga como centro de chapelaria, num passado afastado, mas sempre lembrado, permite que em Braga se fale da variação de dois modos de trajar, o de Vale d’Este e o de Sequeira, duas freguesias da periferia urbana. As diferenças assentam em curiosos pormenores de apropriação, significativos quando ajustados a questões de identidade: as formas do chapéu e a guarnição decorativa dos mesmos, num a copa rasa, noutro a copa redonda, num plumas e pompons, fitas de veludo pendentes para a nuca, noutro com um pequeno espelho na frente; os coletes diferem em cor e os aventais, tecidos no tear, variam em cores e feitios, no primeiro dominam as riscas verticais, no segundo os puxados. 



A diversidade de uso e as regras de combinação nem sempre respeitam um padrão, dando a tipificação lugar a variação de acordo com os recursos patrimoniais.

Exposição AP – Lavradeira em traje de feirar

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#06

As formas de vestir que tipificam as situações mais funcionais da vida familiar e social, como sair para ir à venda, ou sair para visitar familiares, ou sair para fazer os recados, ou sair para ir à missa, ou sair para ir à cidade feirar, levam a mulher a cuidar pormenores de imagem, cobrindo-se mais ou menos, consoante as situações ou locais a frequentar.


O padrão mais frequente combina uma saia, preta ou de cor, sem bordados ou com bordados discretos, um avental renovado, liso ou debruado com uma fita simples, sem bordados, uma camisa ou uma blusa, aquela com bordados simples, esta conforma a variedade do tecido estampado, um lenço cruzado no peito, ou a fechar na cintura, um colete mais vistoso, muito ou pouco bordado, um lenço na cabeça, apertado das mais variadas formas.

No folclore local, a maior variedade de formas de trajar consiste nesta tipificação de trajar à lavradeira, conjugando o decoro pessoal com a vistosidade e a ousadia de adereços ou acessórios.

 

Exposição AP – Traje de Encosta, de lavradeira proprietária

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#05

Esta forma de trajar toma-se como paradigma de uma situação de bem-estar patrimonial, podendo espelhar na confecção os critérios mais exigentes de qualidade de tecidos, de formas e feitios de corte, de acessórios de composição (botões, fivelas, rendas, fitas, vidrilhos, galões).


Nomeado como «traje de encosta», em zonas de montanha, por contraste com formas de trajar dos vales ou de zonas de ribeira, ou beira-rio, este modo de trajar, predominante na cor preta, associa-se ao uso de quatro peças identitárias: na cabeça, o uso de lenços de seda ou lenços-tapete, muito disputados e demonstradores da variedade de gostos e de recursos; no tronco a jaqueta muito guarnecida com fitas e com bordado; na cintura a saia pregueada no cós, rodada e forrada na base com tecido de veludo e bordada com vidrilhos; o avental em tecido, , quase a cobrir a frente da saia, pregueado e muito bordado com vidrilhos. Os adereços ou acessórios mais frequentes são a quantidade de ouro exibida ao peito, a algibeira especialmente cuidada e decorada, a meia branca rendada e as chinelas de verniz.

Este tipo de trajar tornou-se uso de longa tradição no ritual de casamento, ganhando o nome de «traje de noiva» quando confeccionado especificamente para esse acto, com os adereços e símbolos respectivos: algibeira, cordões e peças de ouro no peito, lenço branco na cabeça, ramo de flores de laranjeira na mão, capa longa de agasalho pelos ombros, sombrinha.

Exposição AP – Lavradeira de Vale do Cávado, ou traje da capotilha

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#04

Esta forma de trajar tipifica situações de cuidado pessoal para funções de visibilidade social, como ir à missa, sair ao domingo, passear e namorar ou conversar…. É conhecida e nomeada pela peça de agasalho ou pequena capa, a capotilha, cuja cor identifica o estado civil de quem a usa, vermelha no caso de ser solteira, azul no caso de ser casada.


A camisa de gola ampla, sobreposta à capotilha, bordada nos braços, o colete de rabos muito bordado e guarnecido, apertando com cordão pelos ilhós, a saia com barra de veludo, rodada, com pregas e decorada com fitas travessas e com bordados em vidrilhos, o avental tecido no tear, com puxados, a meia branca, ou às riscas vermelhas e brancas, e as chinelas, compõem as partes visíveis de um modo de trajar que fez um caminho prolongado em prol de uma identidade local e que se pretende que continue a ser um «ícone» da cidade de Braga. Vários adereços, ou acessórios, completam este trajar, como o lenço branco na cabeça, bordado, em tule ou em cambraia de linho, a algibeira e o lenço de namorados na cintura, a bolsa ou saca de bens pessoais na mão, o ouro no pescoço a espalhar-se pelo peito.

 


quarta-feira, 22 de março de 2023

Exposição AP – Camisas de homem

#03

São expostas duas camisas usadas em situação ritual ou festiva pelo lavrador. Distinguem-se pela escolha do tecido, linho fino, e pelos bordados: num caso, executados em linha branca, com marcações variadas de motivos florais estilizados em ponto pé-de-flor e com o recurso ao ponto de crivo; esta configuração de camisa serve o uso funcional de peça do traje de casamento. No outro caso, os bordados são executados em linha vermelha e em linha preta, com motivos geométricos simplificados e a figuração estilizada de ramo de craveiros, tudo em ponto de cruz.

Ambas as camisas apresentam o nome do proprietário, a meio do corpo (definido a «ratoeira» da camisa), com datas que assinalam o nascimento do possuidor e/ou a data de confecção da peça.

 


Os bordados ocorrem quase sistematicamente no peito, na gola ou colarinho, nos ombros e nas mangas das camisas, executados em linha branca, em linha vermelha e em linha negra e em linhas coloridas, até. Normalmente estes bordados são a gosto da bordadeira ou do bordador, mas podem seguir padrões de marcadores, pano com exemplares de motivos e de letras, ou de colecções de ponto de cruz existentes no mercado.

 

Exposição AP - O lavrador / O camponês

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#02

O lavrador / O agricultor / O camponês 

No folclore local, ligado a uma economia de subsistência e de complementaridade de recursos, sobressai a figura do lavrador, ou camponês, habitualmente caracterizado com um traje de uso quotidiano, marcado pela passagem do tempo e pela intensidade dos trabalhos: chapéu de palha, colete de cotim, lenço tabaqueiro, camisa e calças de estopa de linho e socos feitos à mão. 


Conforme os recursos disponíveis, o lavrador vive rodeado de uma diversidade instrumental de tecnologias, mais primárias umas, mais elaboradas outras, que garantem a extensão funcional dos seus conhecimentos e dos seus proveitos. Nesta exposição, constam instrumentos simples, mas significativos: a foicinha, o engaço, a vara do gado, o sacho, a tesoura da poda, o cesto, a bota de vinho.  

Regista-se uma síntese poética do lavrador de Entre Douro e Minho, uma extensa zona do país dedicada à produção de vinho verde:

O homem de Entre Douro e Minho 
Calça de pau e veste de linho, 
Come pão de passarinho, 
Bebe vinho de enforcado 
E tem força que nem diabo.




Exposição AP - introdução

#01

O passado, esse «tempo morto, porém inesgotável» (Agustina Bessa-Luís, A Sibila, p. 103) 
«Quem se ocupa do passado, arrisca-se a passar sem ter compreendido o que havia a procurar nele» (Peter Sloterdijk (1983), p. 368) 


Somos uma associação dedicada ao estudo e à divulgação de conteúdos folclóricos nas áreas da literatura, da música, da dança e do trajar populares que identificam a tradição cultural minhota. A nossa fundação data do ano lectivo de 1978/79 e a nossa sede é na Escola Dr. Francisco Sanches. Assumimos os valores culturais que o folclore categoriza como identitárias de usos e costumes, primordialmente ligados à tradição dos trabalhos agrícolas, aos modos e maneiras de vida assentes na autonomia e na interdependência da unidade familiar, e às práticas festivas, religiosas, artesanais e recreativas, de carácter comunitário. 

Dedicamo-nos a movimentos de animação cultural, retomando cantares polifónicos de tradição oral, músicas e danças recreativas, músicas e cantos processionais, artes e ofícios manuais, modas de trajar tipificadas, e promovemos a criação de recursos para celebrações festivas e de solidariedade. 

A Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» aceitou de bom grado o desafio lançado pela A.P. Galeria, sedeada na Rua do Souto desta cidade de Braga, para organizar uma exposição de peças identitárias do folclore local, de modo a satisfazer e a ilustrar a procura de conteúdos que satisfaçam os movimentos turísticos de conhecimento e de recreação.



Leituras:

  • Abreu, Alberto A. (2010). O traje à Vianesa e a roupa que vestimos. Viana do Castelo: Junta de Freguesia da Meadela.
  • Aliança Artesanal, Cunha, Mário Vilhena (2002). Lenços de Namorados escritas de amor. Vila Verde: Aliança Artesanal.
  • Bessa-Luís, Agustina (S/d). A Sibila (6ª Edição). Lisboa: Guimarães e Cª Editores.
  • Bouça, Rita Maria (Org.) (1991). Como trajava o Povo Português. Lisboa: Edição do INATEL
  • Cabral, Elisabeth (Coord.). (S/d). O Ponto de Cruz, a grande encruzilhada do imaginário. Instituto Português de Museus.
  • Duarte, Cristina L. 2007(. Trajes Regionais Gosto Popular, Cores e Formas. Clube do Coleccionador dos Correios.
  • Durand, Jean-Yves (Org.). (2006). Os “Lenços de Namorados” Frentes e versos de um produto artesanal no tempo da sua certificação. Vila Verde: Câmara Municipal de Vila Verde.
  • Fernandes, Conceição, Rodrigues, Teresa (S/d). A Magia do Enxoval – Concelho de Braga (1850-1950). Braga: Artes Gráficas – APPACDM de Braga.
  • Fernandes, Isabel Maria (S/d). Bordado de Guimarães – renovar a tradição. Porto: Campo das Letras.
  • Fraguas y Fraguas, António (1985). El Traje Gallego. La Coruña: Fundación Pedro Barrié de La Maza.
  • Leite, Joaquim Cândido da Mota (1986). Danças Regionais do Minho. Braga: Edição do Grupo Folclórico Dr. Gonçalo Sampaio.
  • Lenços de Namorados – Novas Escritas de Amor (2011). Vila Verde: Câmara Municipal de Vila Verde, Diviminho S.A.
  • Machado, José Hermínio da Costa (2011). Os Fios e Nós da Moda Velha – Cecília de Melo (1934-2009). Braga: Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé».
  • Medeiros, Carlos Laranjo (Coord) (1994).  Bordados e Rendas nos Bragais de Entre Douro e Minho. Porto: Programa de Artes e Ofícios Tradicionais, Grupo BFE.
  • Pinheiro, Fernando (2011). Grupo Folclórico Dr. Gonçalo Sampaio Um Sonho do Coração. Braga: Grupo Folclórico Dr. Gonçalo Sampaio.
  • Ramos, Graça, Pires, Ana (2017). Traje à Vianesa – Viana do Castelo – Caderno de Especificações para Certificação. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do castelo.
  • Ribas, Tomaz (2004). O Trajo Regional em Portugal. Braga: Difel, INATEL.
  • Sloterdijk, Peter (1983). Crítica da Razão Cínica. Lisboa: Relógio d’Água.
  • Taxinha, Maria José, Guedes, Natália Correia (1975). O Bordado no Trajo Civil em Portugal. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura
  • Turvey, Helena (2001). Ponto de cruz em azul & branco. Círculo de Leitores.
  • Teixeira, Madalena Braz (2005). Roteiro Museu Nacional do Traje. Lisboa: Museu Nacional do Traje.
  • Viana, Hermenegildo (2021). Trajar – Memórias no Tempo. Viana do castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo.